Uma sintonia única

Em uma garagem norte americana mal iluminada, um senhor de idade se senta com seu jantar (comprado no posto de gasolina da esquina), em frente à um rádio analógico. Enquanto mastiga aquela gororoba, ele fecha os olhos e escuta os sons que saem dos alto-falantes puídos.

Era a história de uma mulher que ele acompanhava pelos últimos trinta anos. O aparelho captou seu sinal de vida em outra galáxia, e ele, perdido naquele planetinha insignificante, ouvia a narrativa que ditou a vida dela. Seu nascimento, o primeiro beijo com o filho do vizinho, o casamento depois dela engravidar, e suas aventuras com Lílian, sua companheira, também professora, que a ajudou depois que o marido morreu e em todas as vezes que ela desejou que ele se fosse, até que foi atendida. As duas decidiram morar juntas e encarar aquele futuro, que apesar de não ser mais um dia-a-dia terrível, era de uma vastidão duvidosa que as aterrorizava. E foi bem no meio da mudança para o apartamento novo, com o piso de taco que elas tanto queriam, quando as duas se beijavam no batente da porta, que a energia acabou e a luz do rádio desligou.

Os olhos cansados do senhor de idade se abriram molhados e ele ficou parado, ouvindo os últimos suspiros de uma máquina que nunca sincronizava duas vezes na mesma frequência, na mesma vida.

Quando a energia voltou e o barulho irritante da nova estação começou, ele engoliu em seco aquela gororoba sem sabor, se ergueu lentamente com passos que estalavam, foi até o antigo aparelho, e girou o controle até que ele chegasse à zero. A luzinha verde do rádio se apagou.