Pensamenteando

Uma agulha temporal no palheiro do vizinho

Ninguém sabe muito bem onde ele foi parar, mas parece que perdemos o ano.

O dia trinta e um de Dezembro se aproxima, mas apenas porque o tempo continua funcionando. Do ponto de vista habitual, continuamos em Agosto – um já conhecido buraco negro.

Não foi a primeira vez que algo assim aconteceu. Eu mesmo já havia escutado com descrença a história de um conhecido que acabou por perder um ano, mas nunca dei muita atenção à metafísica envolvida. Pensei que era uma figura de linguagem qualquer. Historicamente, há relatos de períodos terríveis – até mais duradouros – que foram apagados dos anais do tempo, mas também não tive a empatia necessária para entender do que realmente aquilo se tratava.

Acontece que hoje, não se fala em outra coisa e eu fico cada vez mais impressionado com a clarividência das pessoas. É gente jurando de pés juntos que uma hora dessas deveria estar curtindo as férias em uma praia da Bahia, com areia no pé, um carinho de sol no rosto e as preocupações de lado. Outras, mais azedas, clamam pela injustiça de terem sido obrigadas a adiar o casamento para o próximo ano para não deixar de juntar as trouxas no dia exato do calendário gregoriano em que se conheceram. Há ainda os que se descobriram padeiros ou usam seu tempo para escreverem textos inspiracionais em redes sociais como oráculos auto-elegidos do ano que se ausentou.

Antes disso tudo, pouco se falava em universos múltiplos, mas agora não se passa um dia sem o tema ser mencionado, inclusive nos grupos de família! Por mais absurdo que pareça, a ideia é que tivemos o ano trocado com nossos vizinhos do multiverso ao lado, que um pouco mais versados nessa coisa de tempo-e-espaço, fizeram uma operação inter-universos sem nenhum respeito por qualquer possível lei astral. Se for mesmo o caso, lá estarão todas as viagens remarcadas, os quentões de festa junina, as ressacas economizadas e os abraços não dados.

Não se explica muito como isso teria sido feito, mas uma explicação meia boca é muito melhor que nada.

Querendo ou não, estamos como de costume, centrados em nossas dores, esperando o próximo ano chegar para lavar as decepções que o atual nos trouxe.

Seja ele surrupiado ou não.