Pensamenteando

Sobre os marcos ao longo da estrada

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Bem longe de qualquer marquise, Roberto corria para fugir do chororô celeste. O sol reinava alto na tarde de domingo, mas ninguém na cidade sabia disso, já que que grandes massas cinzenta impediam a luz dourada de passar. Nem mesmo fingiam ser uma galinha, nave espacial, ou um mísero coelhinho fofinho, estavam todas com formas de infelizes nuvens. Mesmo que não estivesse na previsão do tempo, também optaram por descarregar suas lágrimas, como se estivessem sofrendo pelo fim de um relacionamento.

Por sorte, Roberto estava perto de casa. Precisou juntar todas as suas forças para se convencer a sair do apartamento. Ele se arrastou até a padaria, que ficava na esquina da outra quadra, para comprar um pão na chapa, mas acabou indo embora com um pote enorme de sorvete – e sem o pão.

A chuva o atingiu entre uma passada afundada no passado e outra, quando ele procurava a chave do portão, a poucos metros da entrada. Ao se encolher com os primeiros pingos, abraçou o pote, que ele julgou ser parecido com o coração gelado de Mário.

Demorou para achar a maldita chave, os dedos enfraqueceram enquanto se achava observado por todos aqueles prédios, com olhares de concreto e janelas fechadas.

Entrou, encostou no espelho do elevador, apertou forte os olhos como se para acordar de um sonho ruim, e soltou um suspiro quando o elevador parou no seu andar. Balançou a cabeça para afastar os pensamentos que sussurravam que agora era "seu" andar e não "nosso".

Ao entrar em casa, tirou sem jeito os calçados molhados, empurrando os tênis para fora, e largou as compras na bancada da cozinha. Até então se locomovia em pequenos pulinhos, para não molhar o chão, mas acabou decidindo por tirar a roupa encharcada, e nu como veio ao mundo, foi até o banheiro onde tomou um banho com água escaldante e lágrimas na garganta.

Ao sair, o passo estava um pouco mais leve. Voltou até a cozinha, pegou uma colher e o pote de sorvete, foi até a sala e se jogou no sofá, onde ligou a TV em um canal qualquer.

Sentindo o abraço solitário do móvel, foi sendo consumido, afundando aos poucos, até que um comercial de viagens bobo, para o litoral da Bahia, o fez se lembrar de uma viagem para um pedaço qualquer desse Brasil, que conheceu com Mário. Parecia que ele soprava sua presença para todas as analogias que Roberto fazia nos últimos tempos. Mas foi naquela escapada de final de semana, há tanto tempo, que os dois compraram as velhas camisas colorida que tanto gostavam de usar.

Dois dias de sol, muito sexo e pouco turismo fora do quarto da pousada, mas que acabou deixando-os mais próximos. Eles acreditavam muito fortemente em datas especiais. Não eram adeptos do crescimento cotidiano das relações. Mediam a intensidade da união em termos de encontros especiais, caprichos caros, datas festivas e momentos clichês compartilhados.

Apesar dos amigos sempre comentarem que o hábito era tóxico, os dois desconversavam, dizendo que era apenas uma mania deles, uma idiossincrasia como todos temos. Há algum tempo, bem próximo das crises finais, Roberto começou a repensar aquele dogma. As tentativas de Mário de tentar fazer com que momentos grandiosos e planejados, com roteiros definidos, resolvessem o problema de comunicação dos dois, o deixava soltando fogo. Começavam os jantares – eram sempre jantares – de um jeito comedido, bem comportados, como se andassem em um campo minado, e exatamente assim, acabavam explodindo depois de alguns passos em falso. No último, decretaram o fim daquela história.

Depois de olhar em branco para a TV, Roberto encheu a cabeça de outros mundos possíveis, e acabou lembrando outra vez da camisa, com suas várias cores e aquela aura de alegria.

Balançou a cabeça, tentando afastar o olhar do ontem. Sempre diziam que ele ficava maravilhoso com aquela peça de roupa tão alegre. Decidiu então começar a mudança pelo exterior, e em um ímpeto de esperança, topou o convite do date que o chamou para um bar naquela tarde.

Chegou com o peito aberto, olhando o ambiente como quem vislumbra um futuro esperançoso. Sua presença era notada, as cores vibrantes da camisa iluminavam seu rosto, que sorria com os olhos ao chegar, mas ficou coberto de lágrimas fugitivas ao ir embora correndo. Viu Mário com um carinha qualquer, usando a camisa colorida dele, aquela da viagem, aquela que eles compartilhavam.

Alguns dias depois, descobriu que foi o terceiro encontro deles. Uma data especial para marcar o novo relacionamento.