Pensamenteando

Querida, perdi nossa árvore

Dia desses fui até o portão e dei pela falta de minha árvore. Tenho o privilégio de viver em frente a uma praça. Ela é bonita, bem cuidada e pouquíssimo frequentada. Ao longo dos anos, sofreu diversas alterações, assim como o bairro e tudo na vida.

Hoje, hospeda um pequeno parquinho com apenas dois brinquedos e o tal chão que não deixa as crianças se machucarem. Há também alguns espaços gramados feitos estritamente para decorar as estradinhas de cimento, e como dei a sugerir: árvores. Mas não foi ali que notei a ausência — ou a falta, dependendo do poeta — mas do meu lado da rua.

Ela se erguia meio curvada, ao lado da lixeira de ferro sempre mal utilizada e do poste de luz – seu altivo companheiro. Tinha o mal costume de se atracar com os grossos fios elétricos que a prendiam bem firme ao passeio, e era a única árvore que permaneceu fiel a este lado, mesmo depois de tantas podas e descuidos.

Confesso que não tinha nenhuma beleza exuberante. Não me recordo de que ostentasse flores, ou um verde bem copado. Não oferecia muita sombra e com certeza nunca me presenteou com algum fruto. O que sei — ou sabia — era que ficava ali, na firme realidade do concreto de minha rua. Não mais.

No seu lugar existe agora um espaçoso vazio, de um acabamento porcamente realizado, cujo relevo atrapalha quem caminha pela calçada. Me pergunto quem fez isso, que trevoso coração deu fim a minha árvore companheira e fez espalhar mais sol por essa rua que se entristece em tons de cinza, tendo como único motivo, evitar um possível problema elétrico.

Agora, a praça nada mais é que uma ilha reclusa no meio de casas sem convívio e edifícios com tinta envelhecida. Um antipático quadradinho verde. Mas tragédia traz sempre consigo um revoar de esperança, mesmo que de longe, e pode ser que tal morte traga em seu verso um senso de comunidade para esse bairro de cidade grande, que vai perdendo em beleza e qualidade do ar, a batalha contra o progresso.

Talvez o luto conjunto nos una para plantarmos mudas e ensinarmos pessoas. Não sei se o resto da vizinhança sente tanto a falta da árvore como eu, que passo meus dias nos fundos da casa e lembro dos passarinhos que pousavam displicentes em seus galhos. Minha única convicção é que sua partida abalou profundamente nossas estruturas.

Pode ser um sentimentalismo bobo deste que vos escreve, mas tenho esperança de que a mudança já começou e irei encontrar a todos os meus vizinhos no funeral improvisado do querido poste de luz, que se tombou por falta de sustentação, e nos deixou no escuro tamanha a sua perda. Falarei de árvores.