Pensamenteando

Paixonites

"Porque estavam distraídos", ela disse, e o olhou com expectativa. Ele a encarou de volta, os pés de galinha sorrindo no canto dos olhos. Tentava expressar um caloroso "continue" e evitar cair na besteira de soltar um sincero "quê?".

Ela entendeu que ele não sabia, ou criou uma explicação irreal, típica dos primeiros encontros que demoram a sair. Continuou.

"Eu adoro poesia, e a Clarice, ah, a Clarice era única, né? Eu acho que nasci na época errada… Queria ter conhecido todos esses artistas de antigamente, lá no Rio...". Ele achou aquilo besteira, mas adorava como ela dizia: como apenas uma sonhadora poderia.

Ela pegou o celular com aquelas mãos que não paravam quietas. Respondeu rápido alguma mensagem. "É urgente, desculpe", e voltou a depositar o aparelho na mesa, virado para cima.

Os dois se conheceram por um aplicativo. Ele dizia que era a primeira tentativa depois de terminar um namoro de anos. Ela também. Os dois mentiam.

Ele mais.

Fingia concordar com os interesses dela. Inventou um novo estilo, que foi comprar na eterna loja de personalidades que temos à disposição. Cada conversa no celular continha uma abordagem nova, que – acreditava –, o faria se dar bem. Dizia para si mesmo que aquilo era o que todos faziam, por isso não parava para se julgar ou no mínimo refletir. Por isso mentia mais: mentia para si mesmo.

Ela só estava entediada e queria uma boca na boca dela. Estava em paz. Em relação a isso, pelo menos. A conversa avançou e retrocedeu. Deu voltas. Chegou em um nó, então eles aproveitaram e foram para o motel.

Continuaram se falando por algumas semanas, mas sem a mesma frequência. Quase todas as trocas de mensagens envolviam sugestões de músicas, livros ou séries. Até saíram depois, uma ou outra vez, mas ela não tinha mais aquele olhar sonhador, ou ele não via.

Mas acabou que ele se apaixonou.

Não por ela, mas pela Clarice e seus contos que tocavam fundo. E a parmegiana daquele bar lá do segundo encontro,

Ambos passam bem.