Pensamenteando

O óbvio ululuante

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Desde os primórdios do tempo e da morte, antes dos eternos discutirem entre si, e mesmo antes daquela explosão, e da fornicação molecular descontrolada a que ela deu início, Ele estava lá. Um ser tão antigo, beirando a eternidade, que possui apenas um propósito: dar palpites.

Desde que o mundo é mundo, que o multiverso é multiverso e o que era antes era o que era antes, Ele palpitava. Sempre que alguém pedia sua opinião Ele a oferecia. Você talvez conheça uma pessoa palpiteira, e acredita que logo em seguida eu irei dizer que mesmo quando não pediam um conselho Ele se intrometia, mas não, O Grande-Palpiteiro-Inominável não é assim.

A mente Dele é vasta como o nosso multiverso, de um tamanho descomunal, gigantesca e constantemente em expansão. Lá dentro, estão armazenadas estrelas, teorias complexas, outras mentes com personalidades contrastantes, e um catálogo extenso, coeso e detalhado de tudo que já existiu e vai existir. E exatamente por isso é uma mente incrivelmente preguiçosa. Tente você ter uma memória infinita e lembrar o nome da tia-avó que só viu uma vez, eons atrás.

É claro que essa mistura de mente infindável e milhões de palpites acabaria gerando certa confusão. Era um multiverso recém-formado afinal de contas. Não se sabe muito bem quando tudo começou, mas nosso ser divino, na sua inebriante grandeza, começou a, veja-só-você, se repetir.

Os seres imortais apareciam com as mais diversas perguntas, e Ele, vez ou outra, respondia sem pensar aquele numerozinho favorito: Um-vírgula-seis-um-oito. Não se importava com o que fosse: tamanho de onda do mar, lei matemática, largura de ossos, pintura renascentista ou aposta em jogo do bicho; simplesmente chegava lá e dizia a já decorada e batida sequência. Os outros, por não estarem com muito tempo a perder (a eternidade também tem seus deadlines), nem paravam para pensar a respeito.

Acontece que em um multiverso de aleatoriedades (ainda que preferenciais, não-meritocráticas e pseudo-randômica), uma espécie de mamíferos ficou fascinada com aquelas coincidências. Chamaram o número de proporção áurea, e diziam que era a obra de Deus – um ser superior, cuja existência achavam tão difícil de comprovar como a das próprias auras, fazendo com que toda a explicação do nome tivesse um sentido próprio.

E apesar de, em certa parte, terem acertado, são contrários a explicação real.

Certa vez, um representante da Santa Igreja do Grande-Palpiteiro-Inominável foi enviado para realizar contato em primeiro grau, e explicar para os coitados a coisa toda.

Os mamíferos disseram que um ser de tamanha grandeza jamais faria pouco caso de uma tarefa tão importante, mas apesar disso, a relação funcionou bem. O alienígena oferecia conhecimentos que eles nem poderia sonhar. A sociedade avançou em um ritmo avassalador.

Acreditando que seu trabalho estava concluído e que, em alguns séculos mais eles provavelmente estariam preparados para outras revelações, o representante decidiu se tornar um andarilho e começou a vagar pelas cidadezinhas de um país tropical. Em uma delas, o visitante intergalático teve seu fim.

Foi linchado. Não por ser de outro mundo, nem por trazer uma visão contrastante – apesar disso ter influenciado –, a razão, disseram os moradores, era aquela atitudezinha de parecer ter resposta para tudo.

Dizem as más línguas, lá na Santa Igreja do Grande-Palpiteiro-Inominável, que foi tudo um plano divino porque o representante havia perdido a fé. Mas a teoria principal, defendida por vários paplitadores, é que ele foi escolhido para se tornar um mártir, tendo sua imagem elevada naquele quadrante espacial e sua história imortalizada nas estrelas.

Mas também pode ser só um palpite. Difícil saber.