Pensamenteando

O lustre

Hoje, a pedido, fui ajudar uma de minhas tias a trocar uma lâmpada e realizar outros serviços domésticos por tabela, porque é assim que essas coisas funcionam. Na grande e eterna inocência desse que vos fala, achei que a tarefa seria simples, rápida, direta e, principalmente, fácil. Não foi.

Cheguei com as lâmpadas novas, cheias de potência e watts que iluminariam em um tom frio, com eficiência energética nível A, o quarto de minha amada tia, com quem me importo tanto ao ponto de até descobrir como esses variados fatos influenciam na singela – mas imprescindível – tarefa, de jogar luz sobre a escuridão.

Me deparei então, ao entrar no quarto, com um elaborado quebra cabeça, uma armadilha feita de vidro fosco. Provavelmente havia sido criado por algum ser das trevas que odeia luminosidade uniforme, e acabou por conseguir nesse dia um arqui-inimigo.

Era um complexo lustre em forma de cubo.

Depois do choque inicial, me coloquei a trabalhar, porque estava decidido a fazer daquele item pouco mais que um empecilho em minha tarde. Arrastei a cama dela para mais próximo da janela, que deixava entrar o sol quente de três da tarde, coloquei a escada em posição no centro do quarto, e subi cada degrau com determinação, ficando mais próximo do céu. E de quebrar um pescoço com a queda.

Desenrosquei os quatro suportes prateados que ficavam nas extremidades daquele vidro baço, enquanto sustentava o peso da peça com a outra mão em um ângulo reto, como um garçom. Os dois primeiros saíram com facilidade, mas o terceiro precisou de uma forcinha que me fez redobrar a atenção. Vidro, como eu bem sabia, viva esperando uma oportunidade para quebrar. Com uma força extra, contidamente aplicada, o suporte saiu, e escolhendo o pior momento para se fazer notar, uma das laterais de vidro decidiu tombar e se chocar com a parte inferior.

Eu não podia ver muito bem o outro lado já que estava no último degrau, com a cabeça colada ao teto e o suor descendo pela coluna, acompanhando a espinha, e acabando em gotas salientes que se acumulavam na minha lombar.

Fiquei com medo de ter quebrado algo, ou apenas ter estragado, ou na verdade, que alguém ouvisse o barulho e fosse até ali – o que seria a única coisa pior naquele momento, ter alguma companhia que acabaria dando pitaco sobre o assunto e ficaria olhando debaixo do meu ombro.

Delicadamente, suspendi um pouco mais a base do lustre para segurar o que quer que fosse a origem do ruído ali em cima, e evitar que saltasse para o chão, ou melhor, para a cama, que mesmo aparentando ser muito confortável ainda seria um salto suicida para um pedaço de vidro. Desabrochei o último suporte prateado e abaixei o mínimo possível para que eu pudesse ver o que tinha acontecido. Meu braço esquerdo tremia por ter ficado naquela imobilidade em ângulo reto por tempo demais.

Vi que foi alarme falso: Um dos vidros laterais se soltou e estava deitado na base do lustre. Soltei um suspiro de alívio, que durou pouco, pois quando baixei o suporte, o parafuso do lado solto veio junto, se despedindo do teto, onde deveria estar afixado.

Depositei os itens na cama e avaliei o estrago como quem faz a autópsia pensando na desculpa para o homicídio. Não era sério, eu só precisava remover as outras laterais, fixá-las e colocar tudo de volta como antes. O problema foi que os malditos vidros não pareciam querer encaixar nos orifícios; caíam sempre, como se fossem menores.

Mais suor.

Tentei soltar a base do lustre, mas não adiantou. Por fim, acabei entendendo como aquilo funcionava: bastava forçar a merda dos vidros para cima, apertar bem os lados para deixá-los fixos e empurrar a base de volta, rapidamente, para que o lados não caíssem.

Fácil falar, difícil fazer.

Mas foi assim, com essa habilidade motora exemplar, que eu montei o lustre duas vezes no domingo: Primeiro para aprender, claro, e a segunda para trocar a lâmpada, o que eu esqueci de fazer na primeira.

E agora, no próximo domingo, só me faltam mais quatro.