Pensamenteando

O carbono e o ego

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Na terça-feira, Marilda me disse que ela gosta mais das laranjas pequenas do que das que eu comprei. Eu a odiei por isso. É muito fácil ir no supermercado e comprar essa variedade cara, geneticamente modificada e gourmet. Eu tive todo o trabalho de dirigir até o Ceasa para comprar algo que fosse minimamente natural, recheado de vitamina C – que ela precisa, por sinal –, e é isso que recebo em troca: má vontade. Mas era de se esperar, claro que era.

Tudo culpa do pai. O velho vivia apostando em corrida, a última vez que eu encontrei com ele, foi quando o desgraçado havia perdido duas pratas. Nem sei onde ele arrumou as pepitas – que realmente eram pequenas, mas prata é prata –, só sei que o fizeram devolver depois de darem uma surra nele. Quem é que aposta em corrida no Brasil, minha gente? Antigamente, imagino que os velhinhos do Rio ou São Paulo pudessem ter sei lá, um hipódromo digno, mas aqui, no meio de Goiás, ficar apostando corrida com piranha é o ó. Enfim, o velho desapareceu e foi o melhor que poderia acontecer.

Mas é claro que Marilda iria preferir as laranjas pequenas do que as que eu comprei. Eram artificiais, e ela sonhava em sair do nosso refúgio de interior e ir morar na cidade grande.

Uma vez, fomos lá com um primo nosso, o Augusto, que fazia corrida de táxi lotação, e entrou uma mulher no banco de trás. Ela não parecia ser daqui e não entendi o que fazia no lotação, porque apesar daquela maquiagem toda borrada, tinha cara de patroa. Marilda confirmou isso. Encontrou uma pulseira de diamantes depois que a mulher saiu. Não falou nada – a escrota –, nem quando Augusto perguntou. Felizmente não chegou a perder o emprego, porque a mulher deve ter pensado que alguma de nós duas pegou, e bem, acertou, quem não pegaria?

Eu não contei para o Augusto, mas escondi a pulseira de Marilda. Não que tenha adiantado algo. Ela achou a maldita e foi embora para a cidade. Que nem era tão grande assim, pra falar a verdade, mas era grande o suficiente para ela. Não sei bem o que aconteceu lá, mas sei um bocado. Arrumou um quartinho com cheiro de cigarro nos fundos de uma pensão, se juntou com um pescador que passava ali perto todas as manhãs, e que não dava muita bola pra ela –, o que foi o fim da dondoca. Marilda não aguentava ser ignorada, não ter a atenção que queria, e se juntou com o homem. Ele até que era bonzinho, não vou dizer que não era, mas outro sonso. E os dois ficaram lá alguns meses, naquele quartinho. Dia desses eu fui visitar os dois – ela me chamou quando achou que a raiva já tinha passado – e descobri isso.

Mas Marilda voltou, claro que voltou. Depois dessa historinha boba, a tonta perdeu a pulseira de diamante que planejava vender. Desconfiou do homem dela primeiro, e depois do resto do pessoal do albergue. Já não comia tão bem, e aquela dúvida foi pairando na mente dela, corroendo o bem estar, e quando a gente fica guardando coisa assim dentro da gente, passa mal mesmo, não tem como. Marilda ficou doente. Parecia uma gripe boba no começo, mas foi piorando. Não aceitava ajuda de ninguém e um dia me ligou chorando, pedindo perdão. Não demorou, eu sabia que não iria demorar, e fui lá buscar a bonitona arrependida.

Agora vem a mal agradecida falar que prefere as laranjas pequenas, como se eu tivesse perguntado. Era o que me faltava. Desde que voltou fica com essa má vontade toda. Primeiro era só flores, agradecendo por tê-la salvo daquela outra vida. Agora, só porque encontrou a pulseirinha de diamantes na minha gaveta volta com essa atitudezinha de nariz em pé dela.

Tem gente que não tem um pingo de noção.