Pensamenteando

Mudando mudanças

Iniciou a mudança de mal humor. Ao chegar, ninguém o recebeu. Estavam a caminho — “só dez minutinhos”. Esperou na rua, encolhido sob a marquise. O tempo passava e o arrependimento por ter alugado um quarto tão longe do seu apartamento aumentava. As duas semanas da reforma imposta pelo condomínio onde vivia pareciam que iriam demorar meses. Estava bem onde estava e mudar o incomodava.

Perdido nesse pensamento, não se deu conta quando a anfitriã chegou. Uma senhora melosa e questionadora, que parecia ter a mania de tocar nas pessoas enquanto falava. Ela se desculpou e abriu a porta. Não ajudou com as maletas ou com o estado de espírito. Subiram.

O prédio não estava caindo aos pedaços, mas precisava de uma reforma. O elevador fazia um barulho suspeito e a pintura da escada que o circundava estava gasta. A porta parecia já ter sido forçada mais de uma vez e o conjunto de fechaduras e combinações diferentes de chaves parecia confirmar a suspeita. Dentro, o chão de ladrilhos marrons contrastava com a luz amarelada que emanava das antigas lâmpadas. A tinta nas paredes paredes que algum dia haviam sido brancas estava repleta de buracos. Tinha cara de velho. Cheirava a velho. Era velho.

Após ser guiado brevemente pelos cômodos, recebeu instruções sobre o uso das áreas comuns. Mesmo que não fosse ficar muito tempo, prestou atenção. A aura de antiguidade ainda se fazia presente. A notava mais intensa a cada momento. Não sabia explicar o porquê de estar prestando tanta atenção neste fato. Não lhe incomodava. Não necessariamente. Lembrava-lhe sua avó. Avós. Ambas já falecidas. A senhora a sua frente provavelmente era a avó de alguém. Terminada as orientações, agradeceu, entrou no quarto e dormiu.

Acordou cedo, com o desconforto típico depois de dormir em uma cama que não era a sua. Não teve muito tempo de reparar mais na casa. Faria isso quando voltasse de noite.

Trabalhou como se nada estivesse acontecendo. Seu desconforto não chegou a ser comentado com os colegas. O horário laboral, continuava indiferente a seus temas pessoais.

Voltou ainda de dia e vislumbrou o apartamento iluminado pela tímida luz natural de um final de tarde. O cheiro de velho estava presente e isso agora era um pouco reconfortante. O lembrava algo, mas não conseguia identificar o que ao certo. Acendeu o fogão a gás com um fósforo e este cheiro despertou lembranças de criança. A avó costumava fazer bolos e passar um café durante a tarde. Agora, suas próprias mãos preparavam o café.

Os dias se passaram. Já não notava o cheiro ou as luzes amarelas. Acertava a chave de primeira e conseguia se mover pela casa mesmo no escuro.

Se acostumou.

Chegado o dia limite, não queria ir. Estava bem onde estava e mudar o incomodava.