Pensamenteando

Luto em movimento

Dona Júlia andava pela casa como um vendaval. Ajeitava o que encontrava pela frente uma e outra vez. Ignorava os conselhos dos filhos que diziam que descansasse, que velasse em paz o marido. “Ninguém vai reparar, mamãe”, assegurava a filha.

Ferrenha, contestava: “Não vem que não tem. Esse povo repara. Seu pai não me perdoaria se saíssem por aí falando da nossa casa”. Passou o dia fazendo os afazeres domésticos. Assou uma fornada de pães de queijo, passou um café forte, varreu duas vezes a sala. Não parava nem por um instante. Mal terminava o que estava fazendo e já começava outra coisa.

De noite, sozinha no quarto e de banho tomado, colocou a camisola e soltou um suspiro. Sentiu o chão frio sob os pés. Arrastou-se até a cama grande de casal. Se sentou, na beirada, em câmera lenta. Fez sua prece habitual. Repousou os óculos no criado-mudo. Estirada na cama, se cobriu. Sem pressa. Olhou para o lado e viu a ausência. A falta. Finalmente, chorou muda. Como o criado.