Pensamenteando

Esses bares novos

🎃

O bar estava ali há anos. Seu Chico se orgulhava dos tempos de casa e enchia o peito para contar onde conseguiu cada uma das fotografias na parede – que nunca tinham uma história só. Mas recentemente o sorriso vinha mais fraco. Os fregueses já não batiam ponto todos os dias, e aquele clima de notícia de jornal tomava conta da vizinhança.

Eram tempos difíceis. Era o que a TV dizia. Era o que enviavam nos grupos de Whatsapp. Era o que sentiam.

Seu Chico, mesmo mais curvado pelo peso do ar carregado, não perdia a energia. Continuava preparando aquele sanduba gostoso que geral curtia. Receitinha do tempo que viveu em São Paulo, mas com o toque de casa. Era de lamber os beiços, uma alegriazinha boba que melhorava o dia dos que iam lá.

E aquele ponto de esquina, no meio de um bairro que ainda conservava uma tranquilidade, acabou ganhando vizinhos novos. Uns meninos com cara de bem de vida chegaram ali e começaram a montar um bar. Eles cumprimentavam o seu Chico e viviam de sorriso no rosto, e ele gostou deles de primeira. O bar novo tinha cara de velho, era aconchegante e vendia umas cervejas diferentes, que o pessoal do bairro não chegava em um consenso se eram boas ou só caras. Seu Chico, que podia experimentar de graça, estava do lado dos que gostavam, mas também achava caro.

Um tempo depois, chegou um bando de jovem com camisas floridas por ali, que não importavam de ficar em pé, e não questionavam o preço das coisas lá do outro bar. No começo, eram poucos, e quando começou a encher eles iam lá no bar do seu Chico usar o banheiro. Entravam devagar, de rabinho entre as pernas, olhando tudo em volta.

Certo dia, quando já haviam tomado conta de metade da rua, começaram a pedir também o sanduba, e não pararam desde então.

Os clientes de antes já não iam sempre bater papo com seu Chico, mas essa meninada nova era até agradável pelo que ele dizia. Alguns dias, no meio da tarde, ele falava isso com uma ou outra alma penada que aparecia por ali, e também confessava que uma boa parte do pessoal de antes não gostava daquele tanto de gente.

Ele suspirava, porque entendia, mas os negócios estavam melhores, e por isso não reclamava. Até aumentou o preço do sanduba – que era o que mais saía –, depois que colocou aquela maquininha de cartão que os vizinhos ajudaram ele a usar. Vendia mais, só que o dono do ponto, chegando lá e vendo aquele fuzuê, decidiu subir o aluguel. Seu Chico vivia vendo números por trás dos olhos. A conta ainda batia, mas antes ela era mais simples, sem tanta variável, e com menos reclamações de barulho pelos vizinhos, que já não saíam de noite para a rua.

Foi uma dádiva, ele dizia, quando ofereceram para comprar o ponto. O gente boa com cara de paulista disse que todo mundo falava bem daquele sanduíche, e que queriam focar naquilo. Usava uma camisa laranja listrada e tinha um bigodinho igualzinho ao que seu Chico ostentou na juventude.

O velho recolheu as fotos das paredes com seus braços cansados, recebeu o pagamento e foi embora.

Alguns diziam que ele passava os dias na chácarazinha que estava montando há décadas. Outros, que até chegou a voltar ali no bairro, e teve um infarto ao ver o sanduba, em uma versão bem menor, ser vendido três vezes mais caro. A verdade, que poucos sabem, é que ele foi abrir uma microcervejaria artesanal na cidadezinha dele, e passa muito bem.