Pensamenteando

Espelho, espelho meu

O velório estava prestes a começar quando ela despertou. Não sabia por quanto tempo havia encarado o nada. Olhou ao redor e se deu conta que estava sentada junto a penteadeira cheia de lenços usados.

Pestanejou algumas vezes. Pôs as duas mãos no móvel. Respirou fundo. Soltou o ar acumulado. Devagar, deixou-se cair, outra vez, no mesmo lugar. Com a cabeça baixa e os ombros desabados, curvada diante do próprio reflexo, decidiu recomeçar o processo. Alçou a mão lentamente em busca de um batom e o abriu a passos de tartaruga. Inclinou um pouco a face e viu no canto esquerdo do espelho os olhos do pai.

De terno e gravata, parecia mais jovem do que se lembrava. Como quando ela era criança e ainda se aninhava em seus braços. Ele era sua fortaleza e ela não tinha as preocupações que agora eram rotineiras. O seu defensor, naquele então, não tinha rugas ou o olhar cansado. Era jovial, vívido, sempre presente. Tudo estava bem, porque ele estava ali. O cansaço chegaria depois, com a doença.

Suspirou, impedindo o pensamento.

Desviou os olhos, marejados, da foto amarelada.