Pensamenteando

Em alto e bom som

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Eram um casal bolado: deixavam os sentimentos e brigas se acumularem até não poderem mais lidar com aquilo de forma saudável. Você sabe como é. Acontece que um dia, como você também poderia prever, não deu mais. Toda aquela ansiedade mútua provocada no outro, aqueles joguinhos individuais que afetavam o conjunto, e a sensação da balança acabar pesando para um lado tomou a frente. Explodiram. Gritaram. Expenearam. Foram imaturos e se arrependeram, mas foram, e isso não era questão de intenção. Cada um seguiu para o seu canto e se distanciaram por alguns dias. O silêncio foi empilhando pensamentos que ficavam escondidos à sombra da realidade, nos cantinhos recônditos das nossa mentes que olham para a gente, mas quase nunca encaramos de frente.

Até que um dia, explodiram outra vez e ela entrou no apartamento, arrebatando a porta e a letargia. Cortou o peito com uma faca e tombou tudo o que tinha ali em cima do outro. Jorrou os acúmulos, e foi categórica:

– Eu preciso que você me diga agora o que sente! Isso de esperar já não dá mais. Medir palavras é uma covardia! Eu vivo de sentimentos. E pra falar a verdade, eu acho falso tudo que não seja assim!

Ele tentou. Balbuciou um pouco, tremeu segurando a garganta, enquanto os olhos se esforçavam para servir de cordas vocais. Havia estado sem voz nos últimos dias, depois de tanto chorar. Aproveitando a tristeza, uma infecção o assolou e adicionou novas dores as outras, confirmando essa certeza de que a vida vai juntando os problemas para soltá-los de uma só vez. Por fim, conseguiu emitir um ruidozinho quase incompreensível:

–- Não consigo.

E foi aí que ela foi embora, naquela explosão rouca que deixou para trás.