Pensamenteando

Descaso dourado

Os dois trocavam mensagens há algumas semanas. Se conheceram em uma festa, mas não se encontraram desde então, revezando nas desculpas. Provas de última hora, amigas precisando de um ombro amigo, ou a simples preferência por ficar em casa disfarçada de falta de tempo ou trabalho em demasia.

Deu-se que em um final de semana, o último de Agosto, as outras meninas com quem ela dividia apartamento iriam viajar. Utilizando alguma bola de cristal, aplicativo de espionagem, ou pura sorte, ele reapareceu depois de dias sem dar sinal de vida. Mandou uma música do Silva que disse lembrar muito o jeito dela. Sozinha em casa, sentindo o peso do vazio, ela aproveitou a aparição e antes que ele pudesse sumir outra vez, o convidou para ir lá no sábado, apesar de meio descrente. Para sua surpresa, ele aceitou de imediato.

Chegado o dia, às oito em ponto, João se prostrou em frente a portaria do prédio antigo. Conferiu de novo o endereço. Ao invés de tocar a campainha, enviou uma mensagem avisando que chegou. Ela terminava, pela vigésima vez, de arrumar os livros favoritos e as almofadas das séries que colecionava.

Naquele começo, os dois eram pura química. Talvez foi o calor do vinho ou o desejo de proximidade que vinham nutrindo ao conversar por horas a fio que serviram de preliminares. Deixando o medo para trás, se jogaram em um tango falado, trocando confidências e gostos.

Parecia não ficar nada por dizer.

Foram para a cama antes da garrafa terminar, tirando, meio desengonçados, a roupa um do outro. João nunca tinha se entregado com essa profundidade, mas ele se sentia conectado e decidiu confiar nesse apelo que vinha, pulsante, de dentro do peito. Ela ouvia o que ele sussurrava em seu ouvido e dava sorrisos de confirmação. Parecia o encontro perfeito.

Talvez foi isso que o fez se chocar mais. A decepção pela afinidade perdida.

Ele estava de olhos fechados quando sentiu o líquido quente escorrendo pela barriga. Não se deu conta logo de primeira. Foi só quando, ao sentir uma poça quente acumulando nas suas costas, que abriu os olhos e, ao ver o que estava acontecendo, deu um pulo. O pequeno laguinho de urina acumulada no umbigo caiu ao chão quando ele se levantou.

“Epa, epa, epa. Pera aí. Não queria dizer que topava isso quando disse que topava tudo. Porra Maria, podia ter avisado!”

Ela, rindo, disse: “poxa Nando, achei que tu ia gostar. Tu mesmo disse que curtia um pouco de submissão”

“Nando, que Nando? Tá louca mulher?”

“Ué, teu nome. Salvei aquele dia na festa”

“Meu nome é João. Porra Maria, que falta de consideração. Tá maluca é?”

João vestiu a roupa e saiu de lá pisando firme. Descaso ele não podia suportar.