Pensamenteando

Azarações

🚨🐲 🎃

– Eu tenho uma reclamação a fazer!

A diretora soltou um suspiro e massageou a têmpora. Sim, é claro que ela tinha.

– Estou falando sério! Isso não é como da outra vez.

Júlia era uma jovem inteligente, e costumava ser alegre, mas há alguns meses vinha apresentando um comportamento que costumava chamar de dever cívico. Vigiava os amigos com olhos de onça. Passava os intervalos de braços cruzados, pisando firme, e enchendo o saco dos colegas, e também do disciplinário – que considerava irresponsavelmente bondoso.

A diretora, contornando a situação, limitou as deduragens da adolescente a um máximo de três visitas por semana. Essa era a quinta, e ainda era terça-feira.

– Muito bem Júlia, o que foi dessa vez? Mais algum coleguinha é um "ignorante apolítico"?

– Não! Quer dizer, todos eles são! Mas não é isso... é esse menino novo. Ele me azarou! Eu não sei como, mas ele colocou alguma coisa na minha poção quando estava do meu lado, ou então foi quando cutucou meu ombro para me dar tchau semana passada. Eu só sei que algo ele fez. Eu sabia que não dava para confiar nele, com aquele sorriso idiota.

– Hmmm. A é? E que azaração foi essa, Júlia?

– Foi algum tipo de encantamento de ilusão. Eu não sei, não é nada que eu tenha aprendido aqui ou em casa, já que eu aprendo mais sozinha. É diferente. Eu só sei que não consigo parar de pensar nele. Não faço mais nada. Estou copiando a matéria, e no meio de uma frase o rosto ridículo dele aparece nos meus pensamentos. Eu já anotei o nome dele setecentas vezes no final do meu caderno! Olha só! E não acaba aí. Eu vi que outras meninas também estão agindo assim! Isso não é normal!

Com os olhos esticados, parecendo segurar o riso, a diretora soltou uma frase em um tom que acreditava ser empático:

– Olha Júlia, isso é normal na sua idade. Converse com seus pais. Tenho certeza que eles terão uma explicação. Pode acreditar.

E terminou com um sorriso, que para Júlia pareceu repelente. A jovem se levantou e saiu da sala, bufando, como de costume. Depois disso, a diretora também se levantou, foi até a porta e fechou o trinco. Em seguida se dirigiu até o armário, de onde tirou uma vasilha com um líquido turvo, espesso e carmim. O colocou delicadamente em cima da mesa, se encostou na cadeira como se tivesse todo o tempo do mundo. Respirou fundo. Depois endireitou as costas com pequenos movimentos arrastados, ficou com a coluna ereta, e abriu os olhos, que estavam totalmente negros.

– Senhora, uma das garotas está desconfiada. Essa coisa de paixão é difícil de acertar. É melhor diminuirmos a potência do encantamento ou os espécimes ficarão desconfiados.