Pensamenteando

Amadurecer demais apodrece

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Cada vez que você faz aniversário, um fantasma novo é criado.

Foi isso que ele disse, aquela aparição prateada com o rosto igual ao meu. Falou olhando nos meus olhos, mas era como se estivesse muito longe.

Provavelmente estava.

Veio de noite, como se não se importasse com clichês, e eu, com toda minha descrença, chamei o episódio de pesadelo.

Aquele ser, que não era eu, explicou que essa coisa de rugas, cabelos brancos, ossos doendo e cansaço, era normal. Como foi a palavra? Desgaste? Não… começava com "Dê" mas era diferente… Enfim, naquele tremeluzir enganoso me disse que esses sinais eram esperados, efeitos colaterais dos pesticidas modernos.

Foi nessa hora que eu ri, como se aquele sonho bobo me houvesse enviado um fantasma tuiteiro para falar dos efeitos do governo.

Mas ele não riu. Não mesmo.

Aquele meu rosto me encarou de uma forma que eu nunca me imaginei, e eu pude ver que ele falava sério. E mesmo no sonho eu gelei, e senti meus pelos dos braço se eriçarem.

Foi aí que eu comecei a prestar atenção.

O fantasma, ao invés de falar, me mostrou. Nós dois flutuamos por gigantescas fábricas escurecidas que não soltavam fumaças, mas possuíam uma aura viscosa que saía de dentro das janelas. Entramos por uma que estava entreaberta e pousamos. Ele começou a se dividir, fazendo cópias quase idênticas de si, cópias cada vez menores, e todas eram, ou foram, eu.

Meus eus parados no tempo ao meu redor, e eu, imóvel diante deles, sentindo um vento que parecia soprar por dentro.

Eles falaram.

Era como se minha mente tivesse um mar dentro dela em um dia de tempestade, com as ondas se chocando na arrebentação. Como se cada voz fosse um martelo com inúmeros pregos indo contra uma caixa de isopor.

E eu ouvi, mas aí já era tarde demais.

Entendi então, que as pessoas são apenas hortas de memórias. Alimento para um ser que consome as lembranças, e é por isso que esquecemos tantas coisas, porque servimos apenas para o monstro crescer e gerar fantasmas.

E eu lembrei a palavra que aquele ser, que não era eu, falou. "Desnutridos".

E então eu esqueci.