Aorta

Quando eu vou lá visitar a vovó, fico o tempo todo nos fundos, no pomar. É lá que fica o pé-de-amora. Ele é super alto e gosta de balançar. Têm folhas grandes, do tamanho da minha cabeça, e elas parecem corações, só que pinicam. Eu fico com a pele toda vermelha. Uma vez eu perguntei pra vovó se o coração também pinica.

Ela olhou a foto do vovô um tempão e disse que sim, mas que eu só ia entender quando crescesse. Então deve pinicar mesmo, porque os adultos sempre dizem isso quando não querem falar mais.

Às vezes, o pé-de amora faz isso porque ele quer fugir. Sempre que sopra um ventinho eu vejo ele balançar e tentar ir embora, pegar uma carona, mas ele nunca consegue. Vovó amarrou o pé-de-amora para ele não fugir, mas eu fico com dó, porque ele parece querer muito.

Ele até tá tentando subir no muro. Tem uma folha altona que tá quase lá do outro lado.

Quando chove, o jardim todo tenta sair correndo. Acho que eles querem entrar na casa para não molhar. Vovó fala que muita água mata as plantinhas, então faz sentido.

 

***

 

Certo dia, o garoto cortou a amarra do pé-de-amora. Naquela noite, caiu um temporal com ventos fortíssimos, que acabaram por fazer o pé se romper.

Ao ver a árvore caída, cheia de gotas d'água, ele correu desesperado até a avó, com os olhos húmidos e o carneirinho na boca. Com uma voz soluçada, ele dizia: São lágrimas vovó, são lágrimas! As folhinhas de coração viraram lágrimas.

A avó tentou acalmar o garoto, e depois que ela conseguiu, ele olhou pra ela, com a mão no peito, e disse que entendeu.

Seu coração pinicava.