Pensamenteando

A arte de dar bons presentes

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O anel brilhava com desdém em cima da mesa. Alice estava com os braços cruzados, analisando o presente. As sobrancelhas baixas e juntas. A perna esquerda inquieta. Parecia mágico... mas como ter certeza? Colocar para saber era arriscado demais. Ele parecia… vibrar. Era isso. Ele vibrava mesmo estando imóvel. Os arredores pareciam sentir sua presença. A madeira torcia as fibras para acomodá-lo melhor. O ar não se arriscava a ir muito perto, deixando um vácuo em volta.

E mesmo sem se mover, ele mudava. No começo era de prata lisa, sem adornos. Mas não ficou assim por muito tempo. A coloração se alterou. Pequenas ondas surgiram por dentro. Viraram mini-explosões, até que ele se pôs a brilhar, resplandecendo na cor do sol. Era uma pequena estrela. Mas, pouco a pouco, foi escurecendo, se apagando, e ficou vazio. Um pedaço sem cor que não era preto, mas muito mais escuro. Como se alguém tivesse pego aquela coisa sem nome que encaramos quando olhamos para dentro de nós em um domingo à noite, separado o vazio existencial em várias tranças, e costurado aquelas linhas negras até que não fosse possível distinguir a parte do todo. Um vazio feito de imensidão.

E ele ficou assim por um instante de um infinito, até que pequenos pontinhos brancos surgiram, bruxuleando, tímidos. Floresceram. Se transformaram em cobras prateadas, e começaram a devorar umas às outras. Por fim, sobraram apenas duas, com coroas douradas, que se entrelaçaram a uma solitária esmeralda verde escura em formato de lágrima.

Bem, com certeza era mágico, já não havia dúvidas. Alice guardou o anel de volta na caixa, conferiu outra vez que não havia nenhum cartão, e o deixou de lado, bufando. Não adiantava falar, esbravejar, ou o que fosse. Ele sempre esquecia a porra do cartão. Mais de mil anos juntos e não aprendia. Se achava que isso faria ela o perdoar pela briga do último solstício, estava muitíssimo enganado!

Dentro da caixa, o anel agora tomava a forma de uma serpente comendo o próprio rabo, com um dos olhos piscando, toda serelepe.