Pensamenteando

A última partida do independência

Invadir estádio de futebol é uma atitude problemática. Às vezes o time anda mal das pernas, os jogadores fazem corpo manso, desistem. Em outras, o técnico não consegue encaixar a equipe. Técnico de time em queda livre precisa fazer milagre, "mudar o que tá ali", como diz boa parte da torcida. Mas torcida raramente é unânime, por isso o "basta fazer o arroz com feijão" também tem lá seus adeptos.

Mas essa sensação de incerteza é complicada. Cai ou não cai? Quando não há mais dúvida do rebaixamento, aí é aquela coisa: é triste? É. Mas fazer o quê? O torcedor ainda vai apoiar o time, apesar de jurar nunca mais ir aos jogos. Uma camisa queimada aqui, uma demissão ali, e claro, as zoações dos rivais que virão pelos próximos dias, meses, anos e gerações inteiras. Mas até lá… o caminho é longo. Um martírio.

Mas como eu disse, invadir estádio de futebol é uma atitude problemática. Certa vez, um amigo meu fez isso. Aconteceu antes da Copa do Mundo de dois mil e quatorze, antes das reformas milionárias, antes mesmo de proibirem o consumo de bebidas alcoólicas dentro dos estádios e, por consequência, antes de voltarem atrás nessa decisão.

Ele saiu cedo de casa. O jogo era às onze da manhã, mas ele chegou antes, bem antes. Foi caminhando. Comprou cerveja de um vendedor ambulante que costumava ver por ali.

Ao entrar no estádio, que já estava lotado, sentiu aquela comoção de partida decisiva que faz trovejar algo dentro do peito.

Comprou a ilustre - e imperdível - pipoca com bacon. O toucinho vinha de um balde, que ficava aos pés do pipoqueiro, que por sua vez, ficava com o radinho de pilha amarelo e se esquecia de atender os clientes enquanto a bola estivesse rolando.

Mas lembra aquela sensação de incerteza? Durou quase o jogo todo.

A confusão começou quando soou o apito final. Ele e os outros que estavam amontoados na grade foram ao ápice da loucura futebolística. Os policiais militares que cercavam o gramado nada fizeram para impedir. Era gente demais.

Havia alguns buracos ao longo da tela de metal, originados por uma mistura de desgaste do tempo, ferrugem e depredação. Foi por ali que a maioria passou. Enquanto alguns puxavam e faziam força para segurar a grade, outros escapuliram pelo espaço que facilitava o salto até o gramado. Um ou outro, talvez mais levados pela emoção, saltaram por cima da divisória, encarando a distância de cinco metros com louvor ou descrença.

Já em contato com a grama, foi aquela correria voraz até o centro do campo, onde estavam os prestigiosos jogadores. Todos aqueles torcedores ensandecidos, correndo como se não houvesse amanhã.

Era a última partida do Campeonato Brasileiro de Futebol - Série B, de 1997. O América Mineiro venceu o Vila Nova por um a zero, com gol de Celso, e se sagrou campeão.

Esse meu amigo – que no caso, é também meu progentiro, meu pai – jogou a cerveja para o alto, abraçou suado os desconhecidos ao redor, e sem precisar da cautela de quem têm dois filhos pequenos dormindo no quarto ao lado, gritou, bem alto: "É campeão". Um clichê digno de futebol.

E, claro, invadiu o gramado. Correu vitorioso a volta olímpica junto dos jogadores: Euler, Celso e Tupãzinho – de quem conseguiu um autógrafo. Se dependurou no travessão. Centenas de pessoas depredaram a grade e se espalharam por um espaço que não tinham direito de estar, infringindo a lei. Dando um mau exemplo.

Invadir estádio de futebol é uma atitude problemática, mas nesse dia, deve ter sido uma delícia.